Leia aqui um trecho de "carnaval em abril: contos de amores e de angústias", de Leonardo Guandeline:
 
A vitrola de um apartamento na Avenida Atlântica, na altura do posto 6 de Copacabana, tocava em alto e bom som "Bim Bom", do disco compacto de 78 RPM do João Gilberto lançado naquele mesmo ano e que também trazia, no verso, o marco "Chega de Saudade".

"O meu coração pediu assim...só..."

Foi a frase que tocou, em meio ao chiado da agulha, aquele solitário potiguar morador do local para que saísse novamente da cama (levantara um minuto antes para trocar o lado do vinil), pegasse na estante um dos dois exemplares que tinha de "O Pequeno Príncipe" e começasse a usar o livro de Saint-Exupéry, o que ganhara de presente de Franklin, como diário.

"Só bim bom bim bom bim bim..."

De caneta esferográfica azul na mão, sentou de frente a uma escrivaninha estilo colonial e escreveu: "Hoje é dia do meu aniversário. São 19 horas e vou jantar. Só recebi quatro telefonemas. De mamãe, Lurdinha, Céu e dos meninos. Onde Roberto, Lucia e Anamaria estão?”. 
 
Em seguida, colocou o livro de volta na estante, vestiu o paletó, mesmo com aquela brisa quente do Rio, os “óculos Ronaldo”, meio escuros, deu uma “penteada” no cabelo com a ponta dos dedos, suspendeu o braço do toca-discos e saiu de casa. Duas voltas da chave na fechadura. Desceu vagarosamente as escadas do edifício, cumprimentou, cabisbaixo, com um tímido aceno o porteiro e sentiu uma brisa mais intensa, porém não tão menos quente, assim que colocou o rosto na rua. Caminhou pela Avenida Atlântica até o restaurante onde passaria a noite de aniversário sozinho. Pediu champanha e brindou a solidão antes de decidir o prato.