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Leia aqui um trecho de "crise crônica", de Rafael Barros:

 

Um salto pro céu

 

O ano era 2012. Todos os medos do mundo eram possíveis. Todo o passado sustentado nas costas. Toda a coragem buscando estufar os peitos contra a bigorna que pesava nos ombros da multidão. Chovia. Pra cacete. Já tinha chovido mais, um pouco antes. Um pouco antes também tinha sumido todo o ar do mundo por um segundo. Por alguns segundos. Os segundos mais longos, incertos, de suor gelado, que terminou com o maior suspiro de alívio da vida de todos. Se fez silêncio por um instante, e debaixo de chuva se suspirou o suspiro que podia correr quilômetros e levar uma dose de alívio pela briza do vento e da água que pingava dos céus. Depois, o tempo passava como sempre passa, mas parecia correr mais rápido do que o coração era capaz de pulsar. E as memórias mais dolorosas pra cada ser apareciam nas cabeças do povo. Cada ferida passada. Cada choro engasgado. Cada sonho arrancado. Cada imagem, gravada a ferro e fogo na alma pra sempre andar junto, estava ali. E cada gota de não aguentar mais. Cada respiro ofegante, já de raiva, de angústia. Cada grito que se ouvia pra tirar de dentro a vontade de dizer chega, basta. Ofegante, ansioso enquanto o tempo corre. Ninguém quer ver o relógio bater no minuto final. Ninguém quer decidir a vida igual já se decidiu a sorte antes. Os ateus largam tudo e pedem silenciosamente ao Santo, enquanto os religiosos gritam aos homens. Nada é normal. Mas o Santo tem nome na boca de todos. E o tal relógio decidiu correr ainda mais. E mais. E a chuva não parou. As roupas pesadas, a água que não dava trégua, e o desespero uma dose de esperança voava das gargantas incansáveis, se esgoelando. O minuto era o 43. Era um escanteio. Tenho fresca na cabeça a memória de pedir aos céus que fosse ali. Pedia, no meio daqueles segundos que duravam minutos. O coração pulsando veloz e a vida em câmera lenta. Lembro da imagem que se cravou pra sempre nas minhas retinas, eternas fotos que só vivi mas nunca tirei. Lembro do gosto do choro irrompendo da garganta junto do grito, de procurar o abraço de meu pai, do cheiro de suor misturado com água da chuva dos abraços de cada maluco que vinha depois. Lembro de ir parar uns três degraus pra baixo no antigo Tobogã, e da subida de volta, ainda sem entender nada. Minhas palavras não bastam pra contar. Por isso eu roubo as de José Silvério: “Escanteio batido, Paulinho subiu, parecia estar voando! Chegou aos céus! Lá, girou, cumprimentou de cabeça e botou no fundo do gol do Vasco! Um gol de São Jorge que ganhou de São Januário! Na marca de 43 minutos, etapa final de jogo, Paulinho, Paulinho, Paulinho, camisa 8! O Corinthians está no céu, o torcedor do Corinthians está voando! Corinthians, um, Vasco, zero!”.

 

Eu estava lá. E sim, estávamos todos voando.

crise crônica, de rafael barros

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  • Nascido em São Paulo e criado entre as ruas da Zona Oeste, do Centro e nas arquibancadas do Pacaembu, Rafael Barros é fotógrafo, torcedor de futebol incorrigível e militante trotskista. Escreve sobre as paixões e as dores diversas da vida, e tenta criar pequenos retratos das belezas e crueldades da vida urbana, das suas importâncias e banalidades, com um fio vermelho de sonho amarrado na ponta das canetas, das câmeras e dos gritos. 

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