Leia aqui um trecho de "fábio café verde", de Rafael de Toledo Pedroso:
A queda de um spray de pimenta seguida por dois jovens em fuga fez Leni levantar-se desnorteada após assalto semi-mortal, mas definitivamente assustador, e seu míope olhar percorreu o vazio cimento que deveria estar cheio: aonde foram parar os pertences de sua bolsa?
Certamente ela estava em um bairro considerado pela grande maioria da cidade como “muito excitante circunstancialmente”, mas Leni, com toda a ingenuidade de seus treze anos, nunca imaginou que a situação exemplificasse-se tão rapidamente… (“E ainda diante de meus olhos!”) Não restava muito para se considerar; ela estava sem dinheiro, perdida, com metade de seus pertences roubados pela máfia de ladrões psicologicamente desconfigurados. Não era a primeira vez que Leni se encontrava perdida e nem a primeira que suas desventuras a levavam a perder mais da metade de suas coisas, mas — pela primeira vez desde que já se considerava adulta, ou melhor, já havia entendido de forma precária e honesta seu lugar no mundo, Leni divagava com questões infanto-juvenis e efemeridades pré-adolescentes se encontrando naquele momento único do tempo a (re)questionar seu lugar no semi-habitável planeta terra.
E havia melhor hora? As circunstâncias eram definitivamente peculiares (“Um sinal!” diria sua mãe). Leni havia tomado o ônibus errado e descido na pior hora, confundindo mentalmente um estilo arquitetônico que utilizava como lembrete visual e em um palpite de uma cultura forjada no preconceito, ela nunca imaginou que um bairro tão ruim poderia ter prédios tão bonitos. Com suas certezas caindo água a baixo, ela foi rapidamente abordada por dois homens de entonação ébria e covardemente armados.
fábio café verde, de rafael de toledo pedroso
Rafael de Toledo Pedroso é natural de Petrópolis, Rio de Janeiro e transita entre as artes visuais, a produção musical, a performance e a escrita. Sua linguagem mescla o relato e o abstrato de forma única. Vencedor do 3º Concurso Literário Deriva, do 12° Salão de Artes Visuais de Ponta Grossa e do Concurso de Fotografias Moisés Pregal, Rafael já foi destaque em festivais de cinema no Brasil, no Chile e na Itália. Atua também como educador e organizador cultural, buscando democratizar o acesso à produção artística experimental.