Leia aqui um trecho de "memórias de um comedor de bananas", de Mauro Cassane:
A busca pela redenção
Amar não é para pessoas como eu. Aprendi da pior forma possível que quem nunca foi amado não tem como saber o que fazer com esse sentimento. Começo essas memórias com pedido de perdão. Me arrependo de uma porção de coisas estúpidas que fiz na vida. Mas creio que só devo pedir desculpas por ter amado. Fui um tolo ao acreditar que pessoas como eu pudessem amar. Não podemos. Amor exige muitas coisas que a gente não tem a menor possibilidade de oferecer. É preciso ter posses, estrutura, educação e alguma intimidade com esse negócio de amar. Eu nunca tive nada disso. Gente de minha estirpe nasce, vive e morre na brutalidade. Não sabemos como agir nem o que fazer com esse confuso e complexo sentimento.
Ainda não completei 30 anos. Pelos meus cálculos, devo estar perto disso. Minha aparência é horrível. O que sei é que me sinto terrivelmente velho, fodido e fraco. Não tenho mais documento algum em mãos. Sou um genuíno Zé-Ninguém. Queimei uma porção de papeis que me entregaram no dia que sai da prisão e entre eles certamente estavam meus poucos documentos. Mais uma tolice para minha vasta coleção de atos estúpidos e desnecessários. Deu aquela gana de protestar contra um sistema social que nunca consegui nem entender, muito menos me adaptar. Como se alguém se importasse com minha rebeldia babaca. Uma revolta completamente inútil, bem sei. Resolvi anarquizar o que resta de minha vida e assumir oficialmente como sempre me trataram: um ser desprezível. Sei bem o que sou. Não tenho ilusões. Meu documento será unicamente este meu relato. Estas palavras escritas passarão a ser o único atestado de minha existência. E quero adiantar logo de início, é preciso deixar claro, não sou criminoso. Sei muito bem que todo bandido desfia a mesma ladainha alegando inocência, mas meu caso merece alguma reflexão. O que fiz não pode ser crime. Nunca matei ninguém nem sequer roubei algo que tivesse alguma relevância para alguém. Fui preso por ter bancado o herói. Fica bem claro que minha coleção de tolices é infinita, não acha?
memórias de um comedor de bananas, de mauro cassane
Jornalista há mais de 30 anos, Mauro Cassane é um apaixonado pela literatura de mestres do “underground” como Jack London, John Fante, Louis-Ferdinand Cèline, Henry Miller e Charles Bukowski. Inventa e escreve histórias pouco convencionais desde a adolescência. Na juventude teve forte influência desta turma de autores mais perturbados: Franz Kafka, Albert Camus, Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire. A originalidade de suas obras certamente vem com temperos desses imortais. Publicou, apenas na versão digital, seu primeiro romance “A Falta” em 2016.