Leia aqui um poema de "meu desejo", de Júlia Batista B. Farias:
Uma nota sobre incêndios
quando meus cachos se emaranham
nem sempre consigo desfazer os
nós, grossos e finos
fios que se agarraram
num sono descuidado.
com custo, puxo
aos prantos, arranco
sopro ao vento, à cura
de seus movimentos.
no meio do lamento
emperrou-se minha porta
para sair do quarto
foi preciso arrombá-la
aos chutes porradas
até destruí-la, e
comprar uma nova.
flutuam os fios
a poeira se estende…
e enquanto dançam as cinzas
um sábio sabiá assovia
cantando no meu ombro
sublinhando o fim que já sabia:
alguns incêndios, minha filha,
não têm jeito…
tem que deixar queimar.
meu desejo, de júlia batista b. farias
Júlia Batista B. Farias (São Paulo, 1996) é escritora, pesquisadora, candomblecista e uma paulista alla mineira. É formada em Letras-Português/Italiano pela USP, onde faz mestrado em Literatura Brasileira, cuja dissertação examina o romance Água funda (1946), de Ruth Guimarães. O seu interesse crítico-literário volta-se majoritariamente à literatura feminina de autoria negra, e, entre 2022-2023, compôs o “Grupo de Estudos em Escrevivência - Corpus estéticos em diferença", coordenado pela escritora e Profa. Dra. Conceição Evaristo na Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência (IEA-USP). Enquanto escritora, publicou poemas em revistas eletrônicas e nas antologias Do que ainda nos sobra da guerra e outros versos pretos (Editora Ipê Amarelo, 2021) e Estamos aqui — antologia de jovens poetas negros (Cult Editora, 2022). Em 2021, participou da antologia de minicontos Negociata na penumbra (Editora Ipê Amarelo). Meu desejo é o seu primeiro livro de poesia.