Leia aqui um poema de "o afeto é uma cidade inteira", de Jean Marcos:
corredor sudoeste
pegar um ônibus pela primeira vez
é como pegar emprestado a rotina de alguém
sentar por quinze minutos num banco
em que dona Maria se senta diariamente
na rota casa-trabalho
é como experimentar um pouquinho
uma roupa que seu amigo emprestou
porque estava chovendo e você se molhou
e essa roupa te cair tão bem
que uma espécie de verão se abre
apenas em cima da sua cabeça
ou ainda
se apropriar de uma palavra
que antes não fazia parte do seu vocabulário
e que talvez nem exista,
mas alguém disse com tanta convicção
que essa palavra passou a morar dentro de você
como se sentir desaplaudido
não porque não te aplaudiram
mas porque te desaplaudiram
é mais ou menos assim que me sinto quando estou apaixonado:
uma porção de pequenas novidades
se agrupando ao redor
e vai surgindo uma necessidade de fazer do novo algo habitual
que esse beijo se repita e esse assunto não acabe
e quando acabar, já exista uma nova data para continuar
e um livro que antes era só um livro
agora é um livro que fulano me indicou
e uma música que antes era só uma música
agora é a música que fulano gosta
de repente
você está pesquisando sobre novos assuntos
se incluindo em novos grupos
tornando confortável o mundo lá fora
o amor é expansão
e é por isso que quando amamos de forma saudável
vamos abrindo caminhos e não fechando muros em nossa volta
e descobrindo que não é bem sobre o outro
e que essa capacidade de ver beleza também é nossa
se você parar pra olhar
a paixão é como puxar a cordinha do ônibus
e torcer pra essa ser a parada certa
afinal
quantas quadras eu teria que voltar
se eu tivesse que me desapaixonar?
o afeto é uma cidade inteira, de jean marcos
Jean Marcos é poeta, escritor, slammer, ator e autor do livro “Visitante no meu próprio lar” (2024) e do zine “O que fazer com essas palavras?” (2023). Nascido em Belo Horizonte, MG e atualmente morando em Florianópolis SC, onde estuda Letras - Português e Literaturas na Universidade Federal de Santa Catarina, é apaixonado pelas palavras e pelo poder de cura que apenas a arte pode proporcionar.