Leia aqui um trecho de "o cachimbau de betina", de Maria Moreira:
No lar de Quincas e Perci havia um sonho. Mesmo na simplicidade e na ausência da percepção de que tinham tantos direitos cerceados, queriam muito ser pais, para alegrar aquele espaço em que viviam, onde a maior alegria era ver o sol se levantar e se pôr, com seus raios que traziam esperança e força. Viviam como um casal comum, e as refeições muitas vezes não passavam de um angu ou arroz com almeirão da hortinha que cultivavam nos fundos da humilde casa.
À noite, seguindo as fases da lua, esperavam ansiosos pela lua cheia, quando ficavam a recordar o passado, como a querer puxá-lo de volta feito uma criança empinando sua pipa. Perci e Quincas no terreirão do Cachimbau espalhavam o escasso café que plantavam e vibravam a cada colheita. Nos dias de chuva ou inverno intenso, ficavam frente ao fogão a lenha, fazendo uma simples broa de fubá para comer à noite. Açúcar e água misturados com mãos ágeis eram colocados em uma panela de ferro com a tampa cheia de brasas ardentes, criando uma crosta que achavam uma delícia, e cuja receita passariam a outras gerações.
Ali, Perci percebeu que algo novo estava acontecendo em seu corpo e, desconhecendo o que seria uma gravidez, ficou ansiosa e apreensiva. E se estivesse doente? Quincas, também preocupado, resolveu chamar uma mulher que morava a alguns quilômetros de distância para examinar Perci.
Depois de muita caminhada, finalmente a mulher atravessou o terreirão do Cachimbau, se desviando do café ali espalhado, e chegou até Perci, cujo olhar demonstrava apreensão e dúvidas. Após conversas e toques da mulher que era parteira e já havia trazido muitos bebês ao mundo, veio a notícia tão esperada: Perci estava grávida! Que emoção! Quincas correu ao altarzinho e acendeu uma vela, não sabemos para qual santo, enquanto Perci o acompanhava com o olhar, entre incrédula e feliz. E neste humilde ambiente, dali a sete meses, assistida pela mesma parteira, chegou o grande dia: nasceu Betina!
o cachimbau de betina, de maria moreira
Maria Moreira nasceu em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, em 1946. Desde jovem, dedicou-se à luta contra a desigualdade social. Presidiu o primeiro conselho tutelar de Vila de Cava, distrito de Nova Iguaçu, e mais tarde ocupou o cargo de Secretária Adjunta de Assistência Social do município. Em Rancho Fundo, bairro em que criou raízes, foi cofundadora e liderança de instituições sem fins lucrativos que obtiveram reconhecimento internacional. O Cachimbau de Betina é o seu primeiro romance.