Leia aqui um poema de "papéis amassados", de Douglas Leite:
TUDO O QUE EU NÃO FALEI
Tudo o que eu não falei.
não cabe nesse texto.
Deixei de dizer
por vários motivos,
explícitos ou ocultos,
nobres ou não.
Algumas vezes não disse
porque esqueci.
Outras, porque iriam esquecer.
Outras porque não quis.
Outras ainda porque
não valeria a pena.
Em outras entendi
que o que poderia ser dito
não faria melhor efeito
que o sábio silêncio.
Nestas horas todas, calei.
Houveram outras vezes
em que eu não disse
por imaginar que já tinha dito,
que já estava entendido.
Aprendi depois que o óbvio
também precisa ser dito.
Seja como for, não disse.
Também já deixei de dizer
quando não haveria
clima pra entender.
Lembro ainda que
deixei de dizer algo
quando estava irado.
Seria visceral, perderia a razão.
Pensei melhor e resolvi: não.
Engoli seco muitas palavras,
sensação pior que faringite.
Teve vez que quem me calou
foi a timidez.
Muitas vezes, na verdade.
Introversão, grande vilã
da comunicação.
Teve muita coisa que não falei.
Não sei se terei
outra oportunidade de dizer.
Quem sabe aqueles fossem
os únicos momentos possíveis.
Todas as culpas
pelo que eu não falei
são inteiramente minhas.
Aquilo que não falei
não teriam como ouvir.
Por vezes,
mesmo dito não ouviriam.
De tudo que não falei,
muitas coisas me arrependo,
outras me alivio.
Existem perdas e ganhos
em calar ao invés de falar.
Palavras machucam e saram.
Tantas coisas eu não falei.
Calar foi o exercício
mais difícil de praticar.
Arrependimento dói.
Tanto o do dizer o que não devia
quanto o do calar ao invés de falar.
Já fiquei revoltado e falei
e também me revoltei por calar.
Só sei que tudo o que eu não falei
precisou ser dito de outra forma.
Num texto, numa música,
num sintoma, numa doença.
Tanta coisa não falei
que já nem sei como seria
se tivesse dito.
O tempo passou.
Silêncio absurdo me deixou mudo.
Se hoje escrevo é na intenção
de falar e não calar.
Não falo por você,
mas por mim.
Agora, tudo está dito.
Não sei se será ouvido
nem compreendido,
mas estou liberto do que não falei.
papéis amassados, de douglas leite
Douglas Leite, 44 anos, Filósofo e Psicólogo, nasceu em Itú/SP, criou-se no Mato Grosso do Sul, mora em Campo Grande. Observa o mundo e pensa sobre o que acontece, tendo adquirido o hábito de versar a existência. Deseja que os leitores pensem com ele sobre o que lhe abstraiu. Compartilha seus escritos para que seja despertado nos leitores o senso crítico, a beleza implícita nos eventos do dia a dia, as lições possíveis de serem aprendidas.