Leia aqui um trecho de "pela inevitável queda no infinito abismo", de Amanda Machado:
Quando a guerra acaba, ninguém volta, o mesmo, para a mesma casa. Algumas foram completamente queimadas, outras seguirão abandonadas porque os seus donos desapareceram; foram fatalmente alvejados, torturados ou tiveram suas memórias irreversivelmente afetadas.
Quando o acordo de paz é assinado, ninguém comemora, exceto o alto funcionário do Estado, que poderá tirar férias. Todos são derrotados; os precavidos, os incautos e a escritora. Ninguém sabe parar as balas, suas vozes são silenciadas pelas bombas e do mundo que conheciam quase nada restará.
Quando a guerra acaba, outros facínoras se preparam, alguns heróis serão presos ou mortos antes do próximo conflito. O que permanece é o trabalho da escritora, que fará um poema sobre os seus papéis incendiados e os mortos, sem nome, empilhados.
A guerra acaba como começa: ganhando as ruas lentamente ou como a luz de uma lâmpada subitamente apagada. Mas a escritora sabe que é preciso fazer poemas para serem declamados depois da noite, porque são eles que poderão iluminar o escuro do mundo, durante e depois da guerra.
pela inevitável queda no infinito abismo, de amanda machado
Amanda Machado é mineira de Juiz de Fora, leitora de prosa, poesia, manual de instruções, bula de remédio e verso de embalagens de xampus. É profissional da educação básica pública, porque acredita na educação como um direito inalienável, é pesquisadora, mestra em história da educação e escritora.