Leia aqui um poema de "picê", de Isabella Ingra:
ladeiras de janeiro
dorme
enquanto o amor desanda
enquanto você não me submete ao amor
dorme
enquanto os meninos de pele escura
morrem nos arredores da cidade
dorme
enquanto eu escrevo esses versos
que não alteram em nada
dorme
enquanto eu tento inventar
outras formas, outros picos
dorme
enquanto as panelas batem nas ruas
enquanto eu te leio o Alberto
dorme
como se o dia fosse a noite
como se a morte não nos visse
dorme
enquanto eu preparo minha marmita
e acaricio meu corpo
dorme
enquanto eu busco alimentos
enquanto eu não me alimento direito
dorme
enquanto o teto não desaba
enquanto a parede não cai
enquanto as metralhadoras fingem silêncio
dorme, amor meu
como se meus braços estivessem
envolto do seu corpo oco e louco
como se fosse janeiro de ilusões
como se fôssemos casas e abrigo pra alguém
dorme,
enquanto eu desacredito em você
enquanto eu mato antes de ser caçada
enquanto eu vejo meu corpo na calçada
picê, de isabella ingra
Isabella Ingra, nascida na cidade satélite de Sobradinho DF, é atriz, poeta e mãe. Escreve a partir de suas percepções do mundo e das relações que observa, vive e inventa.