Leia aqui um poema de "quando um peixe abandona o verão", de João Gravador:
você me aconteceu naquele ano,
é mais ou menos como
a eterna angústia do munch towards the forest I:
verde,
rosa,
amarelo,
preto,
chartreuse
— ou ainda como um pescoço de marreco iridescente
que brilha mais ou menos
a depender de quão rápido você
move as mãos bloqueando o sol sobre suas penas —
e violeta,
sobrepondo árvores inamovíveis como
naquele filme do fantasma preso na casa
que habitava quando tinha um corpo
que é como ouvir o joe pass cavando
as notas na guitarra como o munch cava
a madeira dura
deixando as árvores um pouco menos inertes menos totêmicas
— suas mãos tinham muita pressa
será
que você
ou alguém
além de mim
já pensou nas mãos do munch,
nos dois tiros
que disparou contra a própria mão
e estropiou dois dedos —
sobre um papel que parece pergaminho,
propriedade de uma importante coleção particular
que eu nunca vou poder ver bem de perto,
como via os furinhos na sua pele,
a não ser reproduções em livros
que eu poderia furtar se ainda existissem livrarias
ou em telas esmaecidas e muito opacas,
mas seria tão grosseiro pois não fazem justiça
à precisa topografia de uma cor
e eu não sei muito bem o que isso quer dizer
quando um peixe abandona o verão, de joão gravador
João Gravador, vive e trabalha em Salvador, BA. É artista visual, escritor, doutorando em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Sua prática artística inclui gravuras, objetos, esculturas, instalações, site specifics e textos que investigam a interseção entre a imagem e a palavra e seus processos de tradução — e o que não cessa de (não) traduzir: a impossibilidade da linguagem, farsa, fracasso, desaparecimento, discurso amoroso e suas implicações sexuais e políticas sob uma ótica homoafetiva. Participa regularmente de exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, além de ter recebido prêmios, menções e bolsas de residências por sua produção artística.