Leia aqui um trecho de "a concatena", de Gabriel Girotto:
LAGO
Hoje bem quando uma escolha deve ser feita…
O horizonte molhado sequer vacilou, mesmo após eu empurrar o bote para dentro do reservatório.
Água feito ardósia. Um espelho, escuro quase preto. Eu sabia que estava procrastinando! Perdida a espiar sarças feitas de neblina. Pairavam pela superfície, escondendo o que existisse para olhar. Desfiava de dentro d’água, dedilhando em cinza o lago…. Minha mão agiu sem consentimento, e com outro toque eu senti, o bolso, só para ver se a mensagem estava mesmo no meu colo, ainda sem a querer ler.
Tentei imaginar hélices dentilhando o pátio—do besouro feito de metal que trouxe da mais profunda bruma, as palavras. Duas cambalhotas, talvez mais, uma convulsão antes de arrebentar. Não devia ter sido tão emocionante assim! Alguém só tomou fôlego e o arremessou além do muro. O estojo trazido nos palpos metálicos me alcançara satisfatoriamente intacto. Mas veio aberto… Uma criança de rosto suado o trouxe, já recontando aonde o encontrara. Enquanto eu começava a desamarrar o bote, a caminho do reservatório. Um menino, que eu não daria mais de oito anos. Ele ficou limpando as pontas dos dedos repetidas vezes nos vincos das suas pantalonas, sem mais do que depressa escafeder neblina adentro, depois de deixado o estojo.
Deveria ter-se aberto com a queda, mas a mensagem permanecera clara. Era liso ao toque e fosco aos olhos. Uma célula de texto completa contida ali dentro. Prontamente o impulso foi buscar Erterila! Hábitos. Leituras agora, seriam somente minhas. Empurrei o bote, pulei, sentei, na espera de ganhar mais fôlego dentro do lago, até a neblina esconder tudo.
Não me aguentei. E li.
A neblina assobiou entre os vãos nos dentes dos prédios e o silêncio que foi deixado depois era desigual ao que eu guardava em pensamentos.
a concatena, de gabriel girotto
Foram bons os anos no fundo da sala rabiscando quadrinhos, até entender que melhor mesmo seria sentar bem logo na frente, porque ninguém nunca suspeitaria de você.
Sorria e finja que escuta.
Um dia a estrada trouxe à escola de cinema. Mas o caminho, as voltas, o pule uma casa, volte três, acabou por fazê-lo escritor. Confuso quanto ao: como se pode entrar sendo uma, para sair feito de outra coisa? Pareceu misterioso, pareceu correto. Dá-se de ombros e siga a estrada.
Sorria e finja que planejou.