Leia aqui um trecho de "a ilha e o farol e outras histórias", de Antonio Sodré:
 
Ao final da expedição, todos - cientistas, religiosos e filósofos - não descobriram por que a ilha estava condenada a desaparecer. A única certeza que compartilhavam era que o processo era irreversível. 
Logo após o barco de sábios partir, um novo abalo. João não podia mais andar.  
Em uma cadeira de rodas, usando a luz do farol que agora controlava remotamente, mandou uma mensagem pelo oceano, convidando pessoas para ouvirem a história da ilha que estava fadada a ser engolida pela água fria do oceano. O chamado atraiu a atenção de muitos, que vieram em levas. Cada vez que narrava a história da ilha, ela e a vida de João entrelaçavam-se cada vez mais. A cada penedo que caía no mar, um momento de sua vida aflorava e outro morria em sua consciência.  
Outro abalo e João perdeu os movimentos do corpo. Só movia a cabeça e o pescoço. Não mais podia falar. As pessoas continuaram a desembarcar. Agora eram elas que contavam histórias à beira da cama de João. Partiam emocionadas. 
Um novo abalo. A ilha ficou tão pequena que já não podia mais receber ninguém. Ainda podia controlar o farol piscando os olhos. E, pelo farol, perguntou ao mundo: “Para que serve uma ilha cujo destino irreversível é desaparecer?” 
O último abalo e João e seu farol submergiram. Nesse exato momento todo o seu saber, sabedoria e existência — a substância de todas as suas histórias — dissolveram-se nas águas profundas do oceano.