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Leia aqui um trecho de "a transação do infinito", de Eduardo Souza Lima:

 

Seu Domingos devia saber que quando a pessoa diz que não gosta dum apelido, aí é que ele pega. Fuleragem clássica. Virou Professor Pardal devido ao pormenor. Odiava a alcunha por motivos que nunca revelou a ninguém: era um personagem da Disney, para ele o símbolo mor do imperialismo, a foto três por quatro do RG do Grande Satã, e ainda podia chamar atenção indesejada – tinha turista que ia à região onde se refugiou somente para conhecer suas famosas figuras folclóricas. Pros outros, justificava que não era professor, nem passarinho. Todavia, no Catimbau todo artista, cientista ou excêntrico que tal ganha vulgo. Se desse aceite, lhe arrumavam outro que o deixasse enraivecido. Só que nem Domingos se chamava de verdade; adotou o primeiro nome de Calabar, para carregar peso na consciência, e se isolou do mundo por cagaço – duro de admitir, mas a realidade.

 

Fato é, pois aqui começa nossa história, que o Professor Pardal andava muito assoberbado ultimamente, então não tinha tempo pra se aporrinhar com gréia. A ponto de seu filho José, que chamariam Kaspar Hauser se o povo daquelas bandas soubesse quem foi Kaspar Hauser, abestado em estado natural, ficar agoniado. Ajudou o pai a puxar um cabo de quilômetro e meio da torre de energia até a sua derradeira invenção, na qual estava trabalhando sem parar há meses, uma tarefa digna de Maciste. Seu Domingos não dizia nada pro José, pois temia que o versejador de mão cheia e de nascença viesse com um poema de sua lavra que vazasse e o delatasse, qual Neil Innes, menestrel do Bravo Sir Robin, nobre Cavaleiro da Távola Redonda, há muito finado. José só fazia isso: repente. Fora criado só pelo pai, da mãe nada sabia. Era alto como o Gigante das Dolomitas, porém franzino, diferentemente do parrudo herói italiano; já seu genitor não chegava a 1,60 m e ostentava uma pança portentosa. Não obstante, suas fuças atestavam a paternidade, sem necessidade de exame de DNA – que não havia ainda se tornado trivial na época. Estava para chegar nos 30, embora aparentasse bem menos, e conhecia o lá fora praticamente só de ouvir dizer.

a transação do infinito, de eduardo souza lima

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  • Eduardo Souza Lima, o Zé José (ou vice-versa), carioca de Realengo, é jornalista, cineasta e escritor formado pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi crítico de cinema, repórter e editor-assistente do Segundo Caderno do jornal “O Globo” e documentarista da Fundação Roberto Marinho. Dirigiu seus primeiros curtas (em VHS) nos anos 1980 e em 2004 o seu primeiro longa-metragem, o documentário “Rio de Jano”, foi lançado em circuito nacional. Atualmente, tem se dedicado à literatura. Seu primeiro romance, “Martina no Vale do Germânio” (Editora Cousa), foi lançado na Flip em 2023. A maior parte da ação de “A transação do infinito” se passa no sertão pernambucano. Filho de pai cearense, o autor sempre teve uma forte ligação com o Nordeste; entre 2008 e 2012 morou em Pernambuco. Hoje, vive em Paraty.

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