Leia aqui um poema de "as vacas estão fazendo protesto", de Gabriel Montilla:
PROLE
A história das Alagoas
É a história do latifúndio
São cento e dois municípios
[E contando
Cercados por um cinturão verde
E barulho de tiro
É mais seguro em Líbano
Durante a guerra civil
Do que em Minador do Negrão,
Por exemplo
A prole que entope
As veias desse estado
Desde os primórdios
Empesteia de degenerados a política
O 037 - Salvador Lyra/Centro
Vem cambaleando
Caindo aos pedaços
Só de pensar na demora
Que vai ser pra chegar em casa
Dá vontade de dormir no ponto mermo
Um garotão sobe por trás
Começa a limpar o chão do ônibus engatinhando
Depois, de uma maneira passivo-agressiva,
Diz que poderia estar nos roubando
Mas preferiu pedir uma moeda
Pra não brincar com a sorte (ou com o azar)
As pessoas foram logo dando
Os centavos que tinham
Sexta-feira treze aqui
É dia de tiroteio na Assembleia Legislativa
Com direito à morte misteriosa do sogro do governador
Em processo de impeachment
Por ter aumentado um imposto sobre
A cana-de-açúcar
É a história do nosso Kennedy
A bala que matou Humberto Mendes
É por isso que somos conhecidos por aí
Como a terra dos pistoleiros
A bala come em qualquer lugar por aqui
A gente só escuta o barulho antes do tímpano explodir
E sente a bala penetrando a carne
Quando o sangue ainda quente escorre da veia rompida
E beija o concreto desavisado
Já não sentimos mais nada
E num anda não, é?
Questiona um cara lá atrás
Tá rolando uma carreata
De mais um aristocrata de polo
Que pagou mais da metade do povo
Pra estar ali
Segurando uma bandeira azul
Da cor dos descendentes
Dos dezessete barões e um visconde
De títulos comprados que tivemos
Atrás de mim conversam duas senhoras
Olha, eu até que tô gostando da atual gestão
Espero que ele não seja ruim igual ao pai
É uma família muito renomada lá em Ibateguara
Que Deus abençoe o nosso prefeito
Os donos do pedaço
Sentados nas cadeiras
Brigando com os donos do outro pedaço
Pra ver quem oprime mais e melhor
A nossa pobre gente
O busão estaciona no terminal
As duas senhoras descem
Todo mundo desce em seguida
Eu sinto vontade de chorar
São os filhos
Dos filhos
Dos filhos
Dos antigos senhores que aqui
Nos dominavam
Mas nada é eterno
Todo itinerário tem um fim
Toda poesia termina
Todo amor enferruja e causa tétano
Dure o tempo que durar a opressão
Ainda sim terá um final
Até o direito divino dos reis acabou
as vacas estão fazendo protesto, de gabriel montilla
Gabriel Montilla, 26 anos, filho de mãe trabalhadora que criou dois filhos e três netos sozinha. É natural de Alagoas e reside na capital Maceió, onde é estudante de história da Universidade Federal e pesquisa a Ditadura Militar (1964-1985), relacionando os aspectos do futebol durante o período do regime como manipulação social e política das massas no estado, além disso, é professor bolsista do Programa de Residência Pedagógica, mediador bolsista do Centro de Cultura e Memória do Poder Judiciário e poeta. Em "As Vacas Estão Fazendo Protesto", seu primeiro livro, escreve sobre o cotidiano do trabalhador maceioense, mesclando elementos culturais e políticos da história das Alagoas.