Leia aqui um trecho de "bruxa", de Julia Mascaro Alvim:
Não posso ser considerada uma pessoa normal diante de vós. Vinculo sempre minha vida à fatos estranhos. Esperais de mim algo extraordinário? Tenho poderes paranormais... Dirijo-me a vós como alguém que almeja confiança e hesita por se julgar insana. Sois capaz de acolher todo desejo que tenho e transformá-lo em realidade? Pareço pagã diante de vossa pessoa, então desenvolverei a aptidão de me aproximar mais dos interessados em meus assuntos corriqueiros. Simples assim. Quando o pronome vós aparecer, imediatamente clamarei por vocês. Não que eu confunda estas duas pessoas a quem me dirijo. Porque sou mesmo pagã e não sei me relacionar com o deus existente. Duvido de sua supremacia e onipotência achando que tudo isso seja mera crença, e não algo palpável. Deus não existe. Às vezes acredito que sim, como constataram, mas logo volto a não acreditar mais nisso. Prefiro a magia... Esta sim tem a capacidade de me fazer feliz. Misturar ingredientes pode mudar destinos e salvar ou destruir vidas. Nasci com esta marca. A bruxaria praticada deve mudar a opinião dos céticos. Saiba que enquanto cozinhamos os ingredientes contidos no cardápio indicam o caminho a ser percorrido. Quem entende esta sutileza compreenderá melhor minhas buscas...
Vós não renegastes a filha que sou. Aceito o empecilho de ser mortal e faço disso meu emblema. O perecer humilha a condição do ser, mas a discrição pertencente em meus traços acaba neutralizando minha excentricidade, sendo possível passar despercebida nos lugares públicos. Sinto-me melhor assim. Se realmente existísseis não viríeis à minha procura. Acolho o futuro mansamente e se houver uma vida além desta, estarei presente nela de alguma maneira. Muitas vezes creio que não. Este é o meu estado normal. Reforço isso num intuito de expulsar o medo do fim. Morrer é deixar de existir. Vossa pessoa acolherá o que deixo de pensar para não mais me dirigir a vós... Isso me assusta e não estou acostumada com tamanha opressão... Venham vocês, a libertar suas almas enquanto o corpo está vivo! Na alma e no espírito acredito, submetidos ao corpo do nosso sacrifício. Eles também se acabarão... Os restos mortais eclodirão quais tambores em dia de luto. E se unificarão nesse fim.
Entre em minha casa. Já sabe o meu nome? Mirna. Significa “educada”, “gentil”. Sou bastante pacífica. Não repare na escuridão da sala. Gosto dela assim, mal iluminada. Pressinto seu rosto através de uma curiosidade assustada. Fique tranquilo. Deixe-me ver. As linhas de suas mãos indicam que você é uma pessoa iluminada. Podemos ser bons amigos. Aceite este chá. Fará você se sentir melhor. Os que passaram por aqui retornaram ilesos. O que pretende? Sei que precisa de ajuda, então agirei em seu favor. Quanto mais à vontade estiver, melhor. Conte-me sua vida. Desde o início. Quero saber de tudo.
bruxa, de julia mascaro alvim
Julia Mascaro Alvim foi aluna da Escola de Aplicação da F.E.U.S.P., onde adquiriu gosto por literatura e ingressou no teatro.
Atuou profissionalmente como atriz e cantora na cidade e também se desenvolveu em música. O contato com a música a fez ingressar em sua criação literária através das composições criadas. Lançou seu primeiro livro de poesias, “A Voz do pensamento”, e logo começou a escrever histórias. Publicou o romance “Vento das Pedras”, o drama “Cecília Que Sabia Voar”, a comédia “As Dramas” e novelas em “Quase num Domingo” e “Inferno”. Já publicou em várias revistas digitais, blogs literários, antologias e já ganhou prêmio literário de poesia e conto.