Leia aqui um trecho de "o abismo do conhecimento", de William Ramires:
O conto do sábio e o papel
Num lugar remoto entre cadeias de montanhas em uma imensa cordilheira, existia uma pequena vila com poucos habitantes. Lá, vivia um sábio monge, que, durante sua vida, percorreu o mundo em busca de conhecimento. Assim, imaginava poder descobrir a fonte única que jorrava, sem parar, toda sapiência do mundo. Entretanto, em todos os lugares que andou, aprendeu que as fontes de conhecimento eram infinitas. Mesmo assim, ele não conseguia se conformar: não poderia ser tão simples.
As ideias, os padrões de conhecimentos, não podiam surgir assim do nada em vários lugares, sem uma complexa e entrelaçada rede de sequências abrangentes, com a qual a sabedoria é atrelada.
Na cabeça do monge, todos os caminhos lógicos, percorridos pelos seus pensamentos cognitivos, o levavam a crer que a fonte do conhecimento era única, não múltipla.
Andou, andou… Talvez tenha dado duas voltas ao mundo, tamanha a distância que percorreu. Nestes caminhos, absorveu tudo o que aparecia pela frente.
Debateu com os maiores filósofos, sempre em busca de apreender mais. E, por todos os lugares em que percorreu, conheceu uma vasta biblioteca de publicações, ampliando seu conhecimento exponencialmente. Mas, sobre a fonte única de sabedoria, nada descobriu, nem sequer ouviu um pio que seja. Mesmo assim, não desistia de sua ideia.
Fantásticos debates aconteciam por onde ele passava e sempre elucidava suas ideias para sábios, cientistas e qualquer um que se interessasse, contando tudo com uma clareza e uma simplicidade incrível.
Conseguiu até seguidores nesta busca quixotesca, porém, deixava claro que seu caminho era individual, não queria discípulos. Se quisessem colaborar, dizia, andem com seus próprios pés, em suas jornadas pessoais na busca da fonte única do conhecimento. O nosso monge sábio deixava isso bem claro.
Seus seguidores até começavam suas jornadas nesta busca, mas em todos os lugares, nem uma informação conseguiam. Praticamente todos desistiam antes mesmo dos cem primeiros quilômetros, mas nosso monge não era de desistir, e se tornava a cada passo mais sábio e, com a sabedoria adquirida, acreditava mais ainda em uma fonte única que emanava todo conhecimento.
Cansado de sua longa jornada que já durava uma vida inteira, refletiu que, talvez, toda sua caminhada por essa fonte única havia sido em vão, pois não havia encontrado nada. Quando começou sua busca, era apenas conhecido como o Monge, mas, com o tempo, acabou se tornando o Monge Sábio.
Com o decorrer dos anos, chegou à conclusão de que, se o conhecimento emanava de uma única fonte, toda sua jornada não fazia mais sentido. Porque se existia essa única nascente de sabedoria e ela era alcançável de todo lugar, então, bastava estar em um único lugar para acessá-la plenamente.
Logo de início, percebeu que a ideia fazia sentido, mas seu corpo, no princípio, não obedecia e demorou ainda alguns anos para que nosso sábio monge chegasse numa pequena cidade, em um lugar muito remoto entre cadeias de montanhas intransponíveis e, enfim, conseguiu. Freou sua jornada e começou a escrever seu conhecimento acumulado.
Escreveu um pouco, pensou, escreveu mais, refletiu, ponderou, escreveu mais um pouco e na sua mente, como se no fim do abismo tivesse chegado, conseguiu conceber a incrível descoberta: era o papel a fonte de todo conhecimento!
O pensamento era uma ideia não materializada, uma abstração. O verdadeiro conhecimento estava na perpetuação desta abstração e o responsável por esta emanação de sabedoria era o papel.
Chegou, enfim, à conclusão.
o abismo do conhecimento, de william ramires
William Roberto Fraga Ramires é escritor e artista plástico. Residente em Andaraí, (BA), Chapada Diamantina. Formado em Artes Plásticas (UFBA 2007). Começou a escrever em 2023, desenvolvendo questões filosóficas em contos curtos de grande reflexão.
Já participou com seus contos e crônicas em mais de 200 antologias.
Premiado com o 3º Lugar na Festa Literária de Piracicaba (FLIPIRA 2023). Finalista da Feira Literária de Santa Teresa (FLIST, 2024), 2º Lugar na Antologia Desejos Profundos (Editora Persona, 2024), 3º lugar no 1º Concurso literário de microcontos 2024: No limiar do medo; e com 2º lugar no 1º Concurso literário de contos: As 30 faces do mal: Vampiros, ambos da editora Carnage. Publicou as coletâneas de contos: Por um mundo melhor (Opera, 2024), e O abismo do conhecimento (M.inimalismo, 2025), livro que foi semifinalista no Prêmio Kotter de literatura (2024).
Buscando provocar e estimular a leitura, escrevendo para um mundo melhor. Colorindo e perfumando as palavras.
@william.rf.ramires