Leia aqui um trecho de "colapso: vidas conexas", de João Victor Sales:
DESPERTO
Despertei. Em meio ao caos, nada mais estava comum em minha vida.
Jazia algum tempo, suponho. Um, três anos, talvez? Confesso já não saber.
Para entender terei que ser mais específico, creio eu. Não se amedronte, pessoa que toca essas páginas. Tudo isso é apenas o começo de um grande encontro. Não de você comigo, mas com várias versões minhas.
Quando tudo começou eu estava com ela, em meus braços. Também estava com ele, em gargalhadas. Percebi, nesse meio tempo, que havia um choque, uma ruptura, mas não tinha ideia de como a resolveria.
Diante as oscilações, eu tentava, mas era uma complicação real. Algo que, se fosse em vida, eu provavelmente me recolheria e entraria em posição fetal.
Senti minha realidade se fragmentar.
Não era somente a minha vida que transitava, mas a de um outro eu. Melhor, eram as vidas de outras realidades. Vidas conexas à minha.
Eu gritei – já não compreendia mais nada. Logo, acordei. Meu rosto estava encharcado, o travesseiro úmido. Rugi – talvez às três da manhã de uma sexta-feira – e não me reconheci. Não era eu.
O som foi abafado pelo tecido em meu rosto. Ninguém ouviu. Talvez fosse a terceira ou a décima vida colapsando com a minha realidade. Esses sonhos já estavam constantes. Talvez fosse um mundo de sonhos em que eu só não sabia o que era real ou falso. Talvez estivesse cada um tentando encontrar a sua vida original e eu só estava perdido, sem saber o que fazer.
Algo estava ocluso em minha memória, mas ainda não sabia o quê. Nitidamente, observei o quarto escuro sem qualquer fresta de luz. Estava tudo certo.
Sentei-me à cama, mas desisti brevemente da ideia de me levantar e, após me restaurar, retornei ao sono, implorando para que minhas mentes não se encontrassem novamente, fugindo do colapso.
Já era tarde, apesar de todo o esforço.
colapso: vidas conexas, de joão victor sales
João Victor Sales (2004) é carioca, morador da cidade do Rio de Janeiro (RJ), escritor – desde 2022 – e estudante da Faculdade de Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro – desde 2023.
Publicou seu primeiro livro – EGLIA: Início Divino – em abril de 2024, uma fantasia que une seus gostos sobre mitologia, mundos originais e poderes mágicos. João participou da série Pecados Capitais, pela Editora Triumphus, com microcontos de sua autoria nos livros "Fúria" e "Melancolia". Já trabalhou como auxiliar administrativo e fotógrafo voluntário.
Diz ele que escrever é uma experiência de transformar o mundo real e aproximar os leitores do fantástico com a capacidade de inspirá-los e motivá-los.
"Colapso" é sua segunda produção literária e seu primeiro livro de contos.

