Leia aqui um trecho de "contos em preto e branco", de Nicolle Marinho Martins:
Os ladrilhos eram amarelos, o jardim era brilhante e vivo. Tudo para ele pulsava em sua memória. Vivia como se nada tivesse mudado, como se fosse imortal, mas tudo não passava de uma fantasia infantil. Como as coisas poderiam permanecer intactas? Um dia aqueles ladrilhos deixariam de ser amarelos, envelheceriam grisalhos como o jardim em sua velhice ferrugem e úmida.
— É o ciclo natural das coisas, filho — dizia a sua mãe sempre que o via chorar agoniado com a morte iminente das coisas ao seu redor.
Ele sentia, conforme crescia, que a casa diminuía e o sufocava. Outro dia uma parte do telhado desabou bem ao lado da visita na sala de estar. Seu pai riu de nervoso e murmurou desculpas repetidas e envergonhadas, mas o seu filho não podia entender essa reação. A casa estava morrendo, por que ele ria e se desculpava? Era macabro.
O que fazer quando você vê algo lhe abandonar aos poucos quando você sabia desde o começo que isso era inevitável? A casa morria e não era só ela.
— Filho, teu pai teve que viajar, mas volta logo.
Os ladrilhos começaram a perder sua cor naquele dia. A casa morria e ele era impotente.
— Mamãe, vai demorar para o papai chegar?
Na época não entendia o porquê daquela pergunta arrancar uma lágrima tímida dos olhos cristalinos de sua mãe.
A casa morria...
— Mamãe, o papai não vai voltar! — era uma exclamação que ele não conseguiu transformar em um ponto final.
— Sim, filho...ele não vai voltar.
Naquele dia a casa morreu por completo, sofrendo o último e fatal golpe. Os ladrilhos amarelos jamais voltariam a ser amarelos, o jardim jamais voltaria a brilhar e aqueles tempos jamais voltariam, mas, talvez, um dia, se perderiam em sua memória, se tornando lembranças distantes, porém sensíveis e ainda dolorosas.
contos em preto e branco, de nicolle marinho martins
Nicolle Marinho Martins escreve desde que aprendeu a sentir.
Filha da palavra, do traço e do silêncio, descobriu cedo que poderia encontrar abrigo nas páginas — fossem elas lidas, escritas ou desenhadas. A leitura, a escrita e a pintura sempre foram suas formas de respirar quando o mundo apertava.
Em 2021, publicou de forma independente seu primeiro romance, "Aos olhos do coração". Em 2023, durante um semestre dedicado ao conto na faculdade, começou a rascunhar as primeiras histórias de "Contos em preto e branco", sem imaginar que ali nasceria um livro.
Foi num caderno de sketch comprado numa feira literária que tudo se misturou: desenhos, palavras, lembranças e presenças. Aos poucos, percebeu que estava costurando com delicadeza os pedaços daquilo que a atravessava.
Aos 21 anos, carrega dentro de si memórias de partidas e retornos. Gosta do que é sutil, do que passa quase despercebido, do que pulsa no fundo das coisas. E talvez seja por isso que escreve: para que os detalhes sobrevivam ao tempo.