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Leia aqui um trecho de "do novo testamento ao brasiguay", de Fernando Baggio:

 

Nu, no meio da praça municipal. Assim Jesus de Nazaré ressurgiu na Terra, no início do terceiro milênio. Sentado no banco próximo a Jesus, três mendigos bebiam cachaça tranquilamente e nem perceberam o aparecimento do Messias. Quando finalmente se deram conta que havia um barbudo pelado na praça, deram a ele um pedaço de lençol rasgado para ele se cobrir.

            Nas imediações da praça municipal, em frente a Igreja Matriz de Jusés de Nazaré, centenas de fiéis aglomeravam-se aguardando a abertura dos portões para entrar no templo sagrado e ouvir os ensinamentos do Pastor Bento Malaquias. Todas as rádios e televisões da região divulgaram dia e noite o culto que marca o início dos cinquenta dias que antecedem o Dia de Nossa Senhora Sojicultora, padroeira da cidade.

            Mesmo em território paraguayo, a grande maioria dos fiéis presentes na Igreja era constituída por brasileiros. Ou melhor, por brasiguayos que há décadas migraram para o território paraguayo em busca de terras baratas para cultivar soja. Aproveitando-se na baixa cotação da moeda local, os brasileiros pioneiros adquiriam milhares de hectares de terra por valores irrisórios que sequer comprariam um alqueire de terra no Brasil.

            Há cerca de vinte anos, os brasiguayos fundaram a cidade de Sojalândia na região nordeste do Paraguay. Ao redor, com o passar dos anos formaram-se diversas cidades satélites: São João dos Índios Brabos, São Pedro Paraguayo, São Paulo do Oeste, São Francisco das Queimadas, dentre várias outras mais. Diariamente, os trabalhadores que residem nas cidades satélites espremem-se em ônibus lotados, a fim de se deslocarem às empresas onde trabalham, situadas no centro de Sojalândia.

            Oito horas da noite em ponto, soou o sino, abriram-se os portões da Igreja e os fiéis rapidamente entraram. Na parte da frente da Igreja, próximo ao altar onde o Pastor faz suas pregações, localizam-se os bancos estofados e espaçosos, destinados à elite de Sojalândia. Para ter acesso à regalia de se sentar na área vip da Igreja, mensalmente a elite faz generosas contribuições financeiras à congregação religiosa.

do novo testamento ao brasiguay, de fernando baggio

R$ 50,00Preço
Quantidade
  • Fernando Baggio é indigenista e trabalha desde 2010 junto aos povos indígenas da Amazônia. Em 2006, foi um dos selecionados pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul para integrar a Coleção 2000, resultando na publicação de sua primeira novela, intitulada “Delírios de um Plagiador”. Em 2009, teve a narrativa "Fragmentar e Reconstruir Contextos" publicada pela Corpos Editora, em Portugal. Em 2011, publicou o livro de poesias “Bolhas de Sabão e um Punhado de Sementes”, pela Editora Ixtlán. Participou também de diversas antologias literárias, feito "Histórias de Trabalho" e "Poemas no Ônibus", ambas editadas pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre/RS. Durante a pandemia, o autor concluiu Mestrado em Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defendendo a dissertação "Territorializações indígenas no Rio Grande do Sul". Recentemente tem também se dedicado à escrita de artigos científicos com temática indigenista, publicando textos em revistas como a Terra Livre, da Associação de Geógrafos Brasileiros, e Afros & Amazônicos, da Universidade Federal de Rondônia. Em 2021 foi um dos vencedores do Prêmio Trajetórias Culturais, concedido pela Secretaria de Cultura do RS e pelo Instituto Trocando Ideia.

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