Leia aqui um poema de "estive em são paulo e lembrei de ninguém", de Frater Outis:
Os preconceituosos
Minha mãe me diz para eu me afastar de pessoas preconceituosas. Eu não sabia, mas ela me ensinou que essas pessoas gostam do sabor de julgar, elas sentem-se menos condenadas julgando. Ela também me disse que (ela não sabe bem, mas disseram para ela uma vez) cada preconceituoso tem em casa um altar próprio onde louva-se a perfeição pessoal e o gosto individual. Antes de dormir (disse a minha mãe, porque lhe contaram), os preconceituosos rasgam as próprias roupas como se fossem descartáveis e, então, após destruírem peça a peça (usando os dentes quando necessário), tomam um banho de suco artificial sabor tangerina, mas não daqueles que já compramos engarrafado, eles optam por aqueles que vêm em pó diretamente dos supermercados; e os preconceituosos (como disse a minha mãe, porque lhe contaram) preparam este banho pela manhã, pouco antes do café da manhã, este costume que, assim como as suas refeições de luz e a prática diária da execução de bonecas infantis, não é nada parecido com o costume das pessoas-de-bem que esforçam-se para afastarem-se destes tipos preconceituosos, aberrações, estranhos, insanos e, sobretudo, alegres demais, pois vivem a criar ficções sobre a vida de outrem sem que usem como pedra de toque a ficção dos outros ou sem que, ao menos, apresentem as suas palavras usando a própria face (como disse a minha mãe, porque lhe contaram).
estive em são paulo e lembrei de ninguém, de frater outis
Frater Outis é o nome mágico de Rafaldini, escritor e entusiasta da exploração tecnológica e criativa. Movido pelo amor aos livros, tornou-se beletrista, enquanto sua curiosidade pelos novos meios de produção o levou ao ambiente hacktivista. Entre palavras e sistemas binários, o autor expõe as tensões de um mundo ultrareificado e hiperespetacularizado. Suas narrativas exploram o impacto das tecnologias no cotidiano, a alienação urbana e a biopolítica da branquitude.
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