Leia aqui um poema de "eu não falei que não havia futuro", de Esteban Rodrigues:
___ quando falei meu nome
olhos curiosos me alcançaram
vindo de uma voz fina
traços leves
boca desenhada
quando falei ser homem
mentes confusas me alcançaram
logo você, tão bonita
quando falei meu pronome
todos os justiceiros, em conjunto
me alcançaram
e corrigiram
memórias atravessadas
quando eu falei
que eu era pai das minhas bonecas
elas ainda continuaram sendo as minhas filhas
quando eu falei
que era o esteban
aquele mesmo, de kubanacan,
toda minha família concordou
quando eu falei
que era o marido dela
assim colocaram na ficha do hospital
memórias atravessadas
minha boca anuncia
a minha existência
a cada palavra
passei a gostar de falar
mesmo sabendo que
alguém que intervém
de modo tão radical
sobre a própria corporeidade
incomoda muita gente
mesmo assim, passei a gostar de falar
falar como quem elabora ficções
falar como quem projeta futuros
falar como quem se permite sonhar
falar com quem sabe de si
falar também sobre a violência
e sobre a dificuldade do trabalho, do acesso, da saúde
e mais ainda sobre o feitiço que lancei sobre mim
de insistir
apesar de
eu falei de cada vírgula
de cada degrau
de cada queda
de cada conquista
de cada corte nas costas, no peito, na glote
de cada tapa no ombro e na cara
eu falei ponto por ponto
de tudo que cabe e que transborda
de tudo que flutua e faz afundar
e mesmo que insistam em chegar
os olhos curiosos
as mentes confusas
os justiceiros, em conjunto
eu não falei que não havia futuro
eu não falei que não havia futuro, de esteban rodrigues
Esteban Rodrigues. Homem trans, negro, do subúrbio de Salvador. Formado em Letras Vernáculas com Língua Estrangeira Moderna (UFBA) e Mestre em Literatura, História e Crítica (UFPR). Integrante das coletâneas Poemas de Amor e Guerra (2021), Corpos Transitórios: Narrativas Transmasculinas (2021), Transmasculinidades Negras: Narrativas Plurais em Primeira Pessoa (2021) e Transespécie/Transjardinagem (2022). Integrante da exposição de lançamento do Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA). Escreveu a orelha do livro Forja (Ed. Minimalismos, 2023), de Thales Gabriel Moura. Traduzido para Revista Mal de Ojos (para hispanohablantes); Embaixador da Menstruação e roteirista da Minissérie “Pessoas que Menstruam” pela EcoCiclo; Artista presente no documentário Queerbrada (2022), produzido pela Camaleoa Filmes.