Leia aqui um poema de "extra vagante...", de Isabel Sougarret (Zirrara):
Neonicho Humanotário
Homo sapiens?
Ou Vírus planetarium?
Megalomania pandêmica
sem rumo, freio ou foz...
Letargia anti-ato
de contágio cibernético
Atmosfera vestida
de um nevoeiro antiético
Rasteja a raça humana
Arrasta suas carcaças
Sangra a nova era
Futuras rochas hemácias...
Lavam-se as mãos
antes da "salvação"
Todo tipo de gente
que anda por aí contente
Comemora, a toda hora,
o gol, o golpe, a esmola...
Como se não fosse parte,
produto da mesma escola!
Carbono endurecido
Mercado agradecido
E a chuva enfurecida
retorna em enxurrada!
Raio solar rasga a pele
numa única abocanhada!
Nem rosa, nem azul
Enxoval do fim do mundo
Torpedos de O2 nos berços
Máscaras nos bebês
No leite,
vestígios transgênicos
No choro,
arrependimento
Na luz,
nenhum fim de túnel...
Brancão em desmaiada
Insolação continuada
Ebulição poética
Já era ou nunca foi?
Queimadura exposta
aos olhos de quem não gosta
Tormenta sangrenta sonora
nos ouvidos de quem ignora
Não é nada além do agora
É só a fervura das horas!
Ficção em tempo real
na pele de quem sente
E a censura, sorrateira,
aconselha e consente:
“Nenhuma palavra cortante!”
“Pode ser repugnante!”
Enquanto a febre não vem,
desconhece-se a doença
Ao mantra dopante das crenças
Aos pingos diários dos medos...
Enquanto há esperança,
o verde escorre entre os dedos
Até que desertos se formem
nas palmas das nossas mãos...
Não é nada além do óbvio
Só o fim em formação...
Até que dunas de areia
cubram as ruínas dos anos
Tão suaves quanto as cobertas
de insondáveis sonos humanos…
extra vagante..., de isabel sougarret (zirrara)
Isabel Cristina de Andrade e Silva Sougarret nasceu em 24 de março de 1976, na cidade de Santiago do Chile. Sua família materna vivia neste país desde o exílio do avô, em 1964. Quando Isabel nasceu, a família já se programava para voltar ao Brasil, devido ao golpe militar de 1973, no Chile.
Diante dessa realidade de exílios, já morando em São Paulo, desde os três anos de idade, Isabel mergulhava na atmosfera poética, metafórica e crítica da MPB da época, através dos vinis, que costumavam matar a saudade da família durante o exílio. Também reencontrava sua primeira língua, o castelhano, nas vozes de Mercedes Sosa, Violeta Parra, Victor Jara, Pablo Milanês e Silvio Rodriguez.
Com 14 anos, escreveu seu primeiro poema, “Sinfonia das Águas”, sobre as várias nuances sonoras de uma chuva que escutava no sítio do avô, desde as gotas que caíam das telhas da casa, até as que banhavam os eucaliptos distantes, passando pelo campo de parreiras.
Quando Isabel foi cursar Comunicação Social (Jornalismo) na UFPE, em 1994, desenvolveu uma preferência por reportagens com tons mais poéticos, inclusive em primeira pessoa, onde também descrevia o impacto emocional da realidade narrada. Nunca foi adepta da falsa neutralidade jornalística.
Chegou a terminar o curso, mas, desde o primeiro período, já era atraída pela poesia marginal recifense, a começar pelos zine Caos (de Zizo), Balaio de Gato (de Jorge Lopes) e pelas performances do poeta Miró da Muribeca, no pátio do CAC (Centro de Artes e Comunicação), onde estudava. Depois, já frequentando saraus, conheceu outros poetas do movimento da poesia marginal recifense e seus versos, cheios de senso crítico. Essa poesia, dita marginal, escancarava o retrato de uma realidade não vista nas mídias jornalísticas tradicionais. A paixão pela poesia começou ali.
Em paralelo à graduação, estudou teatro e música, completando a plenitude de interpretar e musicar seus poemas; fazendo do palco seu lugar de fala e êxtase. Hoje poeta, performer e cantautora, Isabel apresenta uma poesia visceral, naturalmente performática, e prepara o lançamento poético-musical da sua “Trilogia das Eusas”, três livros de poesia, cada um referente a um de seus pseudônimos: Zirrara (a que vaga e reflete o mundo, em estado de comoção); Rara Roja (a mulher maremoto) e Bebelon (a que emerge das águas, em busca da paz perdida).

