Leia aqui um poema de "inventário (o que ficou sob a pele)", de Paula Coelho:
dia das mães
É na infância que a marca se imprime —
silenciosa,
mas profunda.Ali,
o reflexo é sutil,
o espelho ainda sem rachaduras.
A vida sussurra sem pressa:
vocês são uma só.Com o tempo,
as semelhanças criam raízes
e brotam —
às vezes tarde,
às vezes sem aviso.Mas só são notadas
quando a inocência já se foi.
E o que fica são os restos, de todas as versões
do que ainda pulsa.Não se alcança o outro
sem antes entrar em si.É preciso escavar
versões soterradas,
recolher os cacos,
fazer as pazes com as camadas
que ainda pedem colo.Com as versões que escondemos no escuro.
Com o que foi herdado
sem escolha.Mãe.
Filha.Duas presenças que se espelham,
mesmo nos vazios.Duas vozes que aprenderam
a se calar do mesmo jeito.Mas também:
duas sementes que germinaram.
Duas danças que, mesmo distintas,
seguem o mesmo compasso.Anteontem, crianças.
Ontem, mãe e filha.
Hoje, semelhantes.E amanhã?
Talvez ruptura.
Talvez repetição.
Talvez seja só mais um nome
pra mesma dor
com outra voz.Mas sempre —
o mesmo solo.
A mesma história
tentando ser outra.
inventário (o que ficou sob a pele), de paula coelho
Tenho 34 anos e resido na cidade do Rio de Janeiro. Sou comunicadora, cineasta e escritora, possuo graduação em Comunicação Social e sou Mestra em Artes com especialização em Cinema. Trabalho com produção e direção audiovisual, mas antes mesmo das câmeras, existiam as palavras. Escrevo desde sempre — por instinto, por terapia, por necessidade. Comecei de forma natural, íntima e despretensiosa. Durante anos, mantive a escrita como um refúgio íntimo e sem ambições, até que o luto se tornou um ponto de ruptura. Foi ele que me empurrou de volta para o papel. Viver o luto ainda em vida, cuidar com afeto de quem me deixou marcas de abuso, e vê-la partir, deixou uma bagagem que não consegui segurar. Quando me dei conta, parecia que a escrita nunca tinha saído de mim, como se esse fosse meu propósito, como se essa fosse a forma que meu corpo achou de se curar. E a bagagem ficou mais leve. Meus textos exploram temas como identidade, memória, trauma, solidão, afeto, relações familiares e o que mais extrapolar minha lucidez. Tenho como influências literárias autores clássicos e contemporâneos como Caio Fernando Abreu, Sylvia Plath, Rosa Montero, Clarice Lispector, Anne Sexton, Virginia Woolf, Bell Hooks, Rupi Kaur, Allen Ginsberg, Jack Kerouac, e outros.