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Leia aqui um trecho de "livre associação", de Ivan Hegen:

 

Meu sofrimento é Real demais para manter as palavras comportadas no campo da mente. Elas pedem minha carne. Não dá para evitar que a Rê ecoe algo da minha mãe. As duas psicanalistas, mas não apenas. Ambas muito bonitas sem vaidade, teimosas mas carinhosas, receptivas sem qualquer adulação. Até se vestem parecido, num bom gosto que não é caro, elegância para si mesmas em vez de para os outros. Se Freud está certo e todas as mulheres por quem nos apaixonamos remetem à nossa mãe, ninguém melhor que a Rê para se inscrever em mim com um carinho cortante. Estendo um lençol branco sobre o divã, ofereça a ela o canivete brilhante.

 

Vai marcar a letra na perna, nas costas, no antebraço? Terá aflição de empunhar, mas vai entender o significado. Ela me conhece o bastante para saber que não se trata de pulsão de morte. Não é pulsão de morte, é refazer o trauma com um toque sublime. Não gosto de sangrar, não é nem um pouco agradável para mim, mas me soa como um ritual de passagem. Para onde ou para quê? Descobriremos. Não há garantia de que a catarse surtirá qualquer efeito, mas a necessidade de reposicionar as coisas na minha cabeça é tão grande que vale tentar. Lembrar das palavras mais românticas que ouvi dela. Não foram Eu te amo, e sim Gosto até das suas esquisitices.

 

É uma urgência que me pede para levar essas páginas adiante, levá-las ao consultório novo e viver uma cena semelhante à que escrevi.  Estou sendo insensato? Algo que eu jamais poderia sentir se não fosse a beleza difícil do que construímos. Ao sabor do risco, uma palpitação real, viva. Intensa como o medo ou o amor. Chega de exercício de imaginação, já tenho o suficiente da Rê de faz-de-conta. Não vejo motivo para entrar em detalhes do que ela poderá dizer ou fazer. Sei que não se pode converter vida em arte impunemente, mas vou deixar a continuação para a Rê de carne e osso. Cabe a ela desenvolver a passagem do simbólico para o ato.

livre associação, de ivan hegen

R$ 45,00Preço
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  • Ivan Hegen, nascido em São Paulo em 1980, formou-se em Artes Plásticas e tem mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. Trabalhou como tradutor, assessor parlamentar e professor. Publicou os livros A Grande Incógnita (Annablume, contos, 2005), Será (Ragnarok, romance, 2007), Puro Enquanto, (E Editorial, romance, 2009) e Rock Book – Contos da Era da Guitarra (org., Prumo, 2011), A Lâmina que Fere Chronos (Prumo, 2013),  Clarice Lispector e as Fronteiras da Linguagem (Ed. Benjamin, 2018) e Brasilis Busílis (Urutau, 2022). além de artigos para diversos sites e revistas sobre estética e política.

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