Leia aqui um trecho de "marcha, mcLuhan!", de Felipe Rodrigues Araujo:
Tratado Internacional
O nacionalista empertigou-se na festa com a audácia do inglês. O homem que chegara de Londres estranhava o fato de que no Brasil não lhe era solicitado o falar do português. Uma jovem moderna, ao perceber as palpitações do patriota irritado e, tentando apaziguar os ânimos, disse ao estrangeiro: – Não tem problema, Conrad! Aqui ninguém liga pra isso!
Ah, mas foi aí que o nacionalista não aguentou! Posicionou-se em enfrentamento, vociferando e dizendo que – sim! – aqui nestas terras o inglesinho deveria falar o português – bem claro! – e que isso iria lhe proporcionar enriquecimento cultural em todos os aspectos, além de um breve momento de relaxamento mental, visto que nosso idioma, quando falado em sua totalidade e propriedade, trazia também refúgio à alma devido à musicalidade poética de cada palavra.
O inglês, realmente interessado pela questão e satisfeito por, pela primeira vez no Brasil, alguém ter advertido suas maneiras, agradeceu cordialmente seu interlocutor e, sem coragem de salivar sua língua natal, pediu à jovem moderna que solicitasse àquele senhor que, então, mostrasse um exemplo de aplicação do português para exemplificar a defesa de tal idioma onírico.
No meio daquela festa embriagada – o brasileiro viu que tanto fazia, pois – tamanha era a beleza do nosso idioma que – qualquer cousa em português ressoaria o encanto da nossa língua! Entufado de orgulho, colocou-se a cantar a primeira canção que lhe veio à cabeça: “eu deixei de ser pé de cana, eu deixei de ser vagabundo, aumentei minha fé em Cristo, sou bem-visto por todo mundo!”.
marcha, mcLuhan!, de felipe rodrigues araujo
Brasileiro. Nascido em São Paulo, Zona Norte. 41 anos. Estudou jornalismo, trabalhou com a palavra; e em sebos do centro velho, até abrir o seu. Vendeu um livro para o neto do McLuhan. É Vocalista da banda Poetas Amargos. Entrevistou Dan Fante e Dorothy Wiggin, das The Shaggs.