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Leia aqui um trecho de "ninguém vê", de Cristina Ferrari:

 

Sinto cheiro de mofo. No quarto dos fundos da casa onde vivia minha mãe, encontrei um quadro de quando eu era criança. Um quadro de foto revelada em tamanho grande, protegido por um plástico grosso transparente, grampeado nas laterais. Em toda casa tinha um desses na parede. Foi meu tio Nestor quem fez o meu.

 

Por anos me viram como aquela menina. Vivia emburrada por algo que não queria e eu não queria nada. Foi minha avó Jerônima quem costurou o vestido que eu usava na foto. Jerônima com jota. Era branco, com babados pregados na saia e nas mangas, em tons de azul e rosa bem clarinho. Uma doçura. Mais de 40 anos depois, eu sigo odiando babados e, apesar de algumas pessoas dizerem que pareço doce e calma, a maior parte do tempo estou ranzinza dentro da minha cabeça. Exatamente como tio Nestor registrou na foto.

 

Tenho passagens compradas, apartamento alugado fora do Brasil e não sei o que fazer com essas coisas cheirando velho. Tudo que está aqui neste quarto é velho. Ficou guardado por décadas. Nada pertencia a minha mãe. Eram livros da época do cursinho pré-vestibular, produtos vencidos que comprei empolgada para fazer sabonetes, equipamentos velhos do tempo que trabalhei com acupuntura, roupas que separei quando gorda pensando que voltariam a servir se um dia eu emagrecesse. Por que tem tanta coisa minha aqui? Eu e meu irmão fizemos daquele quarto um depósito de restos que não cabiam mais nas nossas vidas de apartamento. Da minha mãe ali, só tinha o cheiro de cigarro.

ninguém vê, de cristina ferrari

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  • Muito tímida quando criança, quase não se escutava sua voz, tamanho o desconforto com a exposição. Talvez por isso Cristina sempre tenha usado a escrita como forma de expressão e elaboração das suas emoções. Nasceu em Minas Gerais, cresceu no interior de São Paulo e tem dentro de si o desejo de sair pelo mundo. Acredita que nossa maior potência, de completa autonomia e autenticidade, está aquilo que sentimos. Graduada em fisioterapia, conduz práticas terapêuticas que conectam mente-corpo-emoção no projeto Corpo Experiência. Diagnosticada com transtorno bipolar aos 41 anos, em "Ninguém vê", seu primeiro livro de contos, explora memórias e angústias que atravessam o universo feminino entrando também nas aflições da sua saúde mental.

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