top of page

Leia aqui um trecho de "o desbravador no divã", de Alice Souto:

 

Em 24 de julho de 2021, foram publicadas imagens do incêndio da estátua do bandeirante Manoel Borba Gato, localizada no distrito de Santo Amaro, em São Paulo. Paulo Galo Lima, em nome do grupo Revolução Periférica, assumiu a responsabilidade pelo ato e justificou que o objetivo era abrir um debate sobre a presença de monumentos como esse em praças públicas. As pessoas agora podem decidir se querem uma estátua de treze metros de altura que homenageia um genocida estuprador de mulheres, declarou Galo antes de se entregar à delegacia, conforme relatado pelo El País[1].

 

O ato pode ser entendido como parte de um movimento que ganhou força durante a onda de protestos antirracistas gerada pela morte de George Floyd no ano anterior: a demolição de símbolos escravagistas nos Estados Unidos. Além disso, movimentos semelhantes em diversos países da América Latina têm buscado retirar de espaços públicos figuras associadas ao período colonial e militar, que representam exclusão, racismo e o extermínio de Povos Originários. Nesse contexto, o monumento O Desbravador, situado na Praça Coronel Bertaso, em Chapecó, não foge a essa tendência. Pelo contrário, ele é visto como um imenso símbolo da colonização na região.

 

Como muitos outros aspectos da cidade, porém, esse grande homem de lata guarda curiosas contradições. Descobri uma delas quando assisti ao documentário Dom Quixote das Artes, que fala sobre o criador do Desbravador, o artista plástico Paulo Batista Siqueira. Me surpreendi ao perceber que, embora tal estátua represente valores morais associados ao tradicionalismo, seu escultor era uma figura bastante libertária.

 

Nascido em Soledade, no Rio Grande do Sul, Paulo foi morar em Chapecó em 1972, enxergando na cidade uma possibilidade de crescimento e liberdade para suas inquietações. Paulete, como era conhecido pelos amigos, por vezes vestia trajes gauchescos, mas, na intimidade, também gostava de usar roupas de mulher. Era um homem doce, que dava piruetas de ballet, mas também tinha um lado revoltado, que se impunha contra todo tipo de preconceito: um artista que lutou contra a homofobia antes mesmo da popularização do termo. Ficou conhecido como um Dom Quixote por ser visionário, capaz de enxergar e construir belíssimas esculturas com sucata, transformando lixo em arte. O Desbravador é uma de suas obras encomendadas[2] e carrega características do artista, tanto no porte físico como nas feições do rosto. É como se, por dentro de toda aquela imponente armadura metálica, estivesse o próprio Paulete!

 

Mas essa é uma camada subterrânea que é acessível apenas às pessoas que assistem a documentários regionais e se interessam em conhecer com mais profundidade a história do artista por trás da obra. O que consta no site da prefeitura é que O Desbravador simboliza o gaúcho colonizador, que segura na mão direita um machado e na mão esquerda o louro da vitória. O que a história oficial não menciona é que a vitória do colono está ligada ao genocídio das etnias que já ocupavam as terras antes da colonização. Esse machado não está só manchado de seiva de araucária, mas também de sangue Kaingang, que se juntou ao vermelho da terra sul-oestina há não tanto tempo.

 

o desbravador no divã, de alice souto

R$ 55,00 Preço normal
R$ 49,50Preço promocional
Quantidade
  • Alice Souto é uma carioca de muitos Ps”: psicóloga, poeta, performer e periférica. Como poeta, possui três publicações independentes e artesanais (fanzines): Traça a Traço (2012), Poesia Auto-Sustentável (2013) e Beijo Azul (2015). Realiza performances de poesia falada desde 2009, participando de eventos e ministrando oficinas na área da literatura. É criadora do Sarau Nuvem Colona (Chapecó) e integra o Coletivo Balalaica de Poesia e Performance, no Rio de Janeiro. Também é criadora da comunidade de acolhimento para pessoas não monogâmicas intitulada Maçãnaria, e escreve e pesquisa sobre Não Monogamia Política.

bottom of page