Leia aqui um trecho de "o que dizem as margaridas", de Cassio Farias:
Barulhos ecoam. Gritos. Depois mais gritos. Mas não é em sua casa, é na casa ao lado. É só o Homem chegar que as vozes se alteram e os insultos começam. Todo dia é a mesma coisa, e você acaba ficando irritado com aquilo. As crianças gritam, pedem para parar. Nunca sabe se estão apanhando ou apenas fazendo birra, afinal, criança faz muita birra.
As crianças do vizinho brincam com seus filhos de vez em quando e parecem felizes. Então, você não dá muita atenção. Cada um tem seus problemas, que se resolvam dentro de casa. Quase nunca vê a mãe dos meninos. Ela sai, mas dificilmente é vista. Isso lhe intriga, mas não lhe interessa, não é sobre você ou sua família.
O Homem… você não sabe o seu nome. Eles se mudaram há alguns meses desde que começaram a entrar e sair da casa. Você o vê pouco também, parece trabalhador: sai cedo e volta tarde. Nem sempre há discussões. Por vezes, não se escuta nada. Pensa que viajam, porque as crianças ficam alguns dias sem brincar com seus filhos. Nunca se interessou por elas. Preocupa-se só com seus filhos. Dá umas palmadas nos dois, afinal, todos precisam de educação. Sua esposa não gosta, mas você não se mete na forma como ela educa os filhos, e ela não deve se meter na sua maneira de educá-los também.
O dia amanheceu chuvoso, seus filhos não saíram no quintal para brincar. Ficaram dentro de casa. Os finais de semana chuvosos são assim, infelizmente: uma bagunça dentro da casa, TV para assistirem, brincadeiras e brinquedos mais internos. Hoje, não ouviu nenhum barulho dos vizinhos, provavelmente estão como vocês.
Você estava brincando com seus filhos quando começou a escutar batidas. Batidas fortes, que pareciam estrondos nas paredes, algo batendo no chão, depois o silêncio. Não sabia o que poderia ser; o som se misturava com as trovoadas ao longe. Não havia gritos, nem xingamentos, nem choro. Era incomum ouvir esses barulhos. Não dentro daquela casa.
o que dizem as margaridas, de cassio farias
Cassio Farias é graduado em Pedagogia, mestre em Educação e atua como pedagogo e professor. Natural de Paranaguá-PR, atualmente reside em Pontal do Paraná-PR. Apaixonado por literatura desde cedo, encontrou na escrita um modo de dar vida às histórias que há muito habitam sua imaginação. Em 2025, publicou seu livro de estreia, Sussurros de uma perda e outras histórias, pela Editora Libertinagem, consolidando seu olhar sensível sobre a experiência humana. Fascinado pelas nuances das personagens e pelas tramas que exploram emoções, memórias e relações familiares, busca oferecer ao leitor uma experiência imersiva e reflexiva. Mais do que contar histórias, Cassio escreve para criar conexões; seu objetivo é simples e sincero: que suas palavras ressoem no coração de quem as encontrar.

