Leia aqui um poema de "oráculo", de Mia Sodré:
Ode ao realismo
estou muito cansada para
escrever um poema bonito.
um poema com rimas,
com encantos,
um poema poético.
estou demasiado cansada.
incontrolavelmente cansada.
cansada e com tonturas.
cansada e com as pernas bambas.
cansada da estética, do querer ser, do hosting.
há pressão em minha fronte
como se a fronte fosse, de fato, fronte
de batalha.
como se a vida fosse o eterno atirar-se de um canhão.
ser um homem-bala.
atingir a outros para,
quem sabe,
voltar todo estropiado
apenas para servir de mais munição
e salvar uma guerra que não é sua.
eu não sou o inimigo.
nem você.
mas sou meu próprio algoz.
sou eu quem escava minha sepultura.
sou eu quem contratou o padre,
quem obteve extrema-unção,
quem jogou-se do penhasco
e descobriu ter asas.
fez-se de passarinho e voou.
fez-se de águia e arrancou suas penas.
apenas para ter o prazer
de vê-las crescer novamente.
sou meu inimigo
quando me atiro
em coisas que jamais saberei
se são verdadeiras,
se são fantasias,
se são efeitos colaterais,
se são amor.
sou a lança
que perfura minha carne,
que mata minhas dores,
que alimenta o verme
que eu mesma criei.
top of page