Leia aqui um trecho de "peixe no bolso", de Natália Bento:
Entre 24 °C e 28 °C
Eu era doida por um cachorro. Minha prima mais velha adulta tinha, alguns amigos da escola tinham, mas, mais importante, todas as amigas da rua, menos eu, tinham. Meu pai nunca gostou de animais dentro de casa. Higiênico demais pra isso. Apegado demais aos móveis pra ter o risco de algum ser mordido, arranhado, mijado. Muito da roça pra acreditar em animais domesticados. Dizia
Se um dia um cachorro entrar em casa,
O cachorrão aqui sai
(Nossa dog tem 12 anos e lá ele permanece).
Enquanto não convencia sobre o cachorro, minha mãe tentava me consolar com outros tipos de pets mais fáceis. Um dia aceitei e voltei pra casa com um Betta dentro de um aquário tamanho flat especulado em Londres. Pelo menos eu ia me divertir colocando ração. Dei um nome meio sem personalidade, não conseguia encontrar muitos traços marcantes naquele peixe. Virou o Bob. O que eu mais me lembro dos Beta, sinceramente, é da morte. Será que já vendiam pra crianças sabendo que comprariam mais de um?
Voltei da casa de uma das vizinhas um dia e minha mãe já vem toda agoniada, coitada, se livrar logo: a tampa do aquário aberta. O telefone tocou, sua tia fala mais do que o homem da cobra… Quando voltou, o aquário vazio… Não sofri muito. Usei da história pra minha senha do Orkut*: meubetamorreu.
peixe no bolso, de natália bento
Natália Bento nasceu em Brasília (1996). Entre 2020 e 2022, trabalhou no mercado editorial em Curitiba, antes de se mudar para Londres, cidade onde reside desde 2023. É formada em Letras pela Universidade de Brasília e pós-graduada em Produção e Revisão Textual pela FAE. Contribuiu com as editoras FTD e SAE Digital. Escritora, intérprete e professora, autopublicou Incorrigíveis banalidades do mundo em 2020, pré-selecionado no Programa de apoio à tradução e à publicação de autores brasileiros no exterior, da Biblioteca Nacional. O e-book também está disponível na tradução em inglês. Peixe no bolso é o seu primeiro romance.