Leia aqui um poema de "pipas e outros poemas", de Tahamy Pereira:
PIPAS
Uma mãe
quase sempre
morre cedo demais.
Ainda que se alongue décadas
a partida
quase sempre
vem cedo demais.
Às vezes só dá tempo de dar a vida
o nome
ou o mamá.
De não deixar esquecer o casaco,
cozinhar mil e trezentos almoços,
dar bronca pela bagunça,
ou por aquele empurrão bem dado no primo mais novo.
Às vezes só dá tempo de esconder
o hálito de álcool depois de uma festa,
e a marca no pescoço do encontro com outro corpo.
Ou de mostrar:
um diploma
um emprego
um amor.
(Qualquer uma dessas coisas que pareça compensar
Ou ao menos, agradecer,
O pedaço de vida que ela arrancou de sua própria matéria finita
- movimento absurdo -
para nos dar a chance de viver).
Às vezes há tempo de deixá-la beijar o nariz pequenino de um neto
ou segurar, trêmula, uma bisneta que esquece o choro em seu colo habilidoso.
E assim, tão de repente,
tão cedo,
já é hora do adeus.
E nos obrigam levá-la
um dia, num pôr do sol estranhamente bonito,
a deitar-se, sozinha,
numa cova de cemitério
onde há um muro
sobre onde correm meninos
que empinam pipas coloridas
que sobem leves, com o vento.
pipas e outros poemas, de tahamy pereira
Tahamy Pereira nasceu em São Bernardo do Campo, em 1991. Apaixonou-se cedo pelas palavras, faladas e escritas. Acabou virando psicóloga para poder ouvir palavras todos os dias, e psicanalista para aprender a ouvir o que está entre uma palavra e outra. Acredita que é possível encantar-se pelo Brasil, e sonhar com justiça social ainda nessa vida. Isso aparece em sua poesia.