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Leia aqui um trecho de "pontos de convergência", de Arthur Araujo:

 

As luzes do interior do bar pareciam prestes a apagar quando Cole Reinhart, que estava de serviço, ouviu alguém passar pela porta de madeira. O cheiro de cerveja o deixara enjoado e ele só queria voltar para casa.

— Cidade pequena essa, não é? — Disse a voz se encaminhando para perto do balcão.

Cole engoliu em seco, já passava das duas da manhã e ele prometera que fecharia às três. São tempos difíceis, pensou. Enquanto a figura se mexia na sombra, Cole observou a porta que balançava para dentro e para fora do bar, tornando possível ver que o exterior estava tão escuro quanto ali dentro.

— Novo por aqui? — Perguntou Cole.

Ele usava camisa polo branca com apenas um botão aberto, cinto de couro e calça jeans escura e sapatos sociais. Seus olhos se esforçaram para tentar ver o que estava nas sombras. A sombra fez sim com a cabeça. Os passos que ela dava até o balcão eram lentos.

— Qual seu nome? — Perguntou o barman. A sombra riu e foi de encontro a luz, revelando-se.

— Me chamo de Coringa. — Seu tom de voz dançava entre a serenidade e zombaria.

— Então o que vai querer beber? — Disse Cole quando o Coringa se sentou em frente a ele no balcão. O silêncio entre os dois era preenchido pelo ambiente. Os estalos de um motor. Os ratos no porão. As batidas aceleradas do coração de Cole Reinhart.

— Surpreenda-me.

O Barman soltou a respiração e aliviou o peito. Lentamente afastou os dedos do metal frio da arma que escondia debaixo da mesa.

— Esse parece o bar mais vazio da cidade. E tem algo diferente nele também.

— Diferente comparado a quê?

O homem olhou para Cole que engoliu em seco e fingiu saber a resposta.

— Essa é sua primeira vez em Burial Valley? — Perguntou o Sr. Reinhart

— Não. — Ele respondeu. — Já estive aqui antes.

— E o que fez na sua última visita? — Cole arriscou uma pergunta mais íntima.

— Não muita coisa, sabe. Esse lugar é um desperdício de passagem.

— O trem não é tão caro. — Cole tentou brincar.

Coringa o encarou tão sério que Cole sentia que seu coração estava prestes a parar. Rápido como a batida de asas de uma borboleta, Coringa sorriu. Cole sorriu também e se virou para preparar a bebida.

— Você trabalha aqui mesmo? — Perguntou o Coringa.

Cole riu.

— Não. Estou apenas cobrindo meu irmão, Skeet. Mas eu trabalho com o banco de dados do Centro de Pesquisa.

— Você conhece alguma Sarah por lá? — O coringa perguntou, mas antes que Cole respondesse, ele balançou a cabeça em negação para o que ele mesmo falara. — Não. Não. Erro meu. Que coisa interessante. Releve minha pergunta.

Coringa sorriu.

— Tudo bem. — Disse Cole. — Aqui está seu drink.

Coringa pegou a taça entre o indicador e o polegar, levou até os lábios e com um só gole bebeu toda aguardente. Seu corpo tremeu e ele fez uma careta. Cole fechou os olhos e esperou que o vidro quebrasse com a força com que foi devolvido a mesa.

— Minutos para fazer. Segundos para ser destruído. Tic Tac. Meses para fazer, anos para ficar no ponto, minutos para ser destruído. — Disse o Coringa.

— O que você está falando? — Perguntou Cole.

Coringa sorriu.

— Aqui está seu pagamento. — Disse o coringa empurrando sobre a mesa uma carta de baralho. Um 3 de espadas. — Eu mesmo que fiz.

— Você está brincando comigo?

Coringa sorriu e balançou a cabeça na negativa. Cole estava cansado. Seus olhos estavam fundos, e sua barba sem fazer. O dia foi gasto selecionando arquivos para pesquisas genéticas sobre vagalumes, e seu irmão implorou que ele tomasse conta do bar enquanto ele viajava. Agora ele estava ali fazendo um favor e era recompensado com mais estresse de um palhaço que achava que beberia sem pagar.

— Você gostaria que eu tivesse.

— Por quê? — Perguntou Cole com tom de voz mais grosseiro do que esperava.

— Isso não é um bom sinal. — O Coringa falou parando de sorrir e levantando a cabeça para olhar o tempo através das gretas entre as tábuas de madeira. Cole supôs que talvez fosse capaz de ver as estrelas brilhar através do teto.

Cole ficou em silêncio e ainda continuava possível ouvir o barulho do motor, porém não mais os ratos. Talvez eles tivessem se acovardado pelo quão pesada a respiração de Cole estava naquele momento.

— O tempo que você levará para puxar a arma, destravá-la e atirar em mim, seria um sexto do que eu usaria para rasgar sua garganta ao meio.

O Coringa sorriu e voltou a falar:

— Eu gostaria de bater palmas. Palmas para mim. Desvendei meu próprio caso em minutos. Agora estou com tédio. — Ele bocejou. — Eu não sou uma pessoa muito legal quando estou com tédio. Nenhum personagem é legal quando o autor tem preguiça de escrevê-lo. — A voz do Coringa ficou mais rouca. — Então por que você não senta aqui e me cativa a te contar uma história?

Cole não fora capaz de entender nem trinta por cento do que havia sido dito, mas entendeu a parte de que deveria obedecer.

Agora sentado de frente para o Coringa ele conseguia ver que todas suas peças de roupa eram da cor preta. Único detalhe branco que Cole foi capaz de notar estava impresso com letras brancas sobre o peito do Coringa. A frase dizia: UM BOM SERVO MERECE RECOMPENSA.

Assim que o Coringa fechou os lábios tudo pareceu mudar rapidamente. Os olhos de Cole estavam arregalados e seu corpo paralisado. Em sua mente a voz que dizia "Cumprirei com minha palavra" piscava em vermelho. Então ouve-se um grito. E depois nada. O motor parara, e até os ratos não se mexiam mais. Parecia a primeira vez em muito tempo que a Rua Atwood ficava em silêncio.

pontos de convergência, de arthur araujo

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  • Eu sou Arthur Araujo, preto e queer, moro no interior da Bahia. Sou escritor desde que eu tinha 8 anos. Eu amava escrever histórias com elementos fantásticos e personagens que tivessem a cor da minha pele. Parei de deixar minhas histórias só pra mim quando percebi que mais gente por aí poderia precisar delas também.

    Além de escrever, estou presente no YouTube. Também tenho um podcast chamado “Alerta Diversidade” sobre a vida e afins. Somado a isso, sou ilustrador e psicólogo.

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