Leia o poema serviços gerais, poema que dá título ao novo livro de Matheus Bibiano:
Serviços gerais
Às quatro e quarenta da madrugada
Dentro da cidade, há outra cidade
Em volume de tripa metálica,
Que trilha certa iluminação turva,
Ora fora, ora em túneis, única:
Estufada de ar e gente, de gemidos,
Gases, mulheres muito grávidas,
Que de repente se veem ocas
Já que de repente irrompe
Entre uma fileira de muitos
O choro de um velho homem.
Do quadro transparente do vagão
Os braços permanecem suspensos
Os rostos permanecem estáticos:
Maria, sentada, pensa em biologia,
Pensa no santo, no sêmen que some
Enquanto chora o velho homem;
João, em pé de fones no ouvido,
Nada pensa quase dorme o abdômen
Enquanto chora o velho homem
E deles se multiplicam em anestesia,
Fadiga, filantropia, jornais, jalecos...
Qualquer coisa que seja qualquer coisa.
Os gritos hirtos do homem
Das roupas já suadas, ensopadas
Que só secarão no outro dia,
Em outra lavagem que ele não verá,
Como não verá sua esposa que bebe
Um café ralo como água de rato
Enquanto longe ele apenas chora.
Ninguém saberá, nem eu, nem você,
Nem os milhões de passageiros
Que passarão nos próximos dias, anos,
Séculos inteiros sem saber o motivo
Da sua mão no rosto, da melodia fina
Antes que o ponto marcasse
O choro de um velho homem
Antes que a quinta raiasse.
serviços gerais, de matheus bibiano
Matheus Bibiano é poeta e neto do poeta Antonio Bibiano, que estampa a capa do livro. Publicou "Entre o beiral e o abismo", 2019, pela Editora Patuá, "Cavalo-do-cão", 2021, pela Editora Libertinagem. Atualmente, edita livros na Editora Libertinagem e na Editora M.inimalismos. Serviços Gerais é o seu terceiro livro querendo ser o primeiro.